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Sofrimento, trabalho e banalização do mal: uma leitura de "Sofrimento na França" de Déjours

  • Martha Bernardo
  • 11 juil. 2020
  • 13 min de lecture

Dernière mise à jour : 30 janv. 2022


I. Funcionalismo e banalização do mal

A situação se agravou, por que nenhuma medida foi tomada na França nem no estrangeiro para favorizar, em matéria de organização do trabalho, as escolhas que poderiam ser nitidamente menos deletérias para a saúde mental de nossos contemporâneos (DÉJOURS, 1998 ; p.I).

Sofrimento na França é um livro sobre as novas organizações do trabalho sob o neoliberalismo e sobre os mecanismos que produzem a servidão voluntária no mundo contemporâneo. Essas novas organizações geram uma pobreza crescente e, por consequência, novas formas de violências sociais. Déjours sublinha que o objeto do livro não é a empresa neoliberal, mas um questionamento da tolerância social em relação à evolução da organização do trabalho: «o [tema] principal aqui exposto é o da inacreditável tolerância de nossos contemporâneos ao progresso da injustiça social em regime neoliberal».(DÉJOURS, 1998 ; p.III).

Déjours escreve contra os funcionalistas, para quem a organização do trabalho seria «inexorável», fato de uma lógica endógena própria ao sistema, quer dizer, própria à economia, ao mercado, à mundialização, ao sistema financeiro internacional… «à guerra econômica que, em suma, se importa como uma fatalidade contra a qual não teríamos outra escolha senão triunfar ou perecer» (DÉJOURS, 1998 ; p.III). A tese funcionalista produz uma naturalização da situação do trabalho que não é compreendida como uma injustiça social, mas como submetida ao funcionamento dos agentes econômicos, como o mercado.

À centralidade do mercado nas análises econômicas, Déjours opõe a análise fundada sobre o indivíduo. Mais precisamente, ela tem como objeto os dados recolhidos da clínica do trabalho e seria, portanto, baseada em «fatos». Esses fatos servirão para compreender o comportamento dos indivíduos sob o neoliberalismo. A escolha do indivíduo como objeto de reflexão tem também por causa sua centralidade na organização do trabalho.

Todo sistema, toda organização, toda empresa tem, e terá sempre, necessidade do gênio da inteligência no trabalho para funcionar, segundo Déjours. É por isso que ele afirma que a empresa neoliberal e o próprio sistema econômico não funcionam nunca pela operação única de sua lógica interna. É necessário o recurso ao trabalho vivo. Mas o trabalho vivo repousa sobre a liberdade da vontade. É forçoso então admitir que o sistema neoliberal, mesmo se ele faz sofrer aqueles e aquelas que trabalham, só pode manter sua eficacidade e sua estalibade graças ao consentimento daqueles e daquelas que o servem (DÉJOURS, 1998 ; p.IV).

A tese de Déjours, que nega a tese funcionalista, é que a injustiça social sofrida pelos indivíduos tem por causa um comportamento: o consentimento. A ideia pertence à tradição libertária, da qual Etienne de la Boétie aparece como um predecessor: «em outros termos, esse livro procede ao exame das vias específicas que assume a servidão voluntária no contexto do sistema neoliberal» (DÉJOURS, 1998, p.IV). A questão que La Boétie formula é justamente como todos os homens podem servir voluntariamente a um só homem, ao tirano. A questão de Déjours é como todos podem consentir com a injustiça da organização neoliberal do trabalho, considerando-a como única empresa viável para o destino da humanidade.

Essa naturalização da injustiça, que Déjours utiliza para pensar a ideia de uma banalização do mal, foi constatada no seu trabalho como médico.

O mal estava indiscutivelmente na ordem do dia com essa particularidade de aparecer sem travestimento, sem «complexo»… Eu tinha necessidade desse conceito para discutir a tese da banalidade do mal, de Arendt, e sobretudo para avançar a ideia de uma «banalização» do mal da qual meus detratores eram, é necessário admitir, frequentemente testemunhas plácidas. (DÉJOURS, 1998 ; p.VIII)

Os funcionalistas atacam Déjours afirmando que a banalização do mal é um conceito atrasado, que não compreende o «realismo econômico» que está para além do bem e do mal.

O que revela minha enquete sobre a servidão voluntária no sistema neoliberal é que a maioria das pessoas pode ser colocada à serviço de um sistema do qual, no entanto, ela desaprova profundamente os métodos. E ela mostra – é o que mais surpreendente – que a mobilização pode ser obtida sem uso da força (DÉJOURS, 1998 ; p.IX).

II. O mal

É comumente partilhado que as vítimas do desemprego estão em situação de sofrimento, por vezes física e social. Mas não é compartilhado que essas vítimas sofrem também de uma injustiça social. Para Déjours, há, no mundo contemporâneo, uma clivagem entre sofrimento e injustiça social. Essa clivagem não considera as relaçãoes entre os dois termos em questão. No caso do desemprego, o sofrimento está ligado a reações de compaixão, piedade ou caridade, mas não de mobilização social. Essa clivagem torna então invisível a reação política. Essa mesma postura conduz a uma atitude de resignação face à injustiça sofrida.

Resignação face a um «fenômeno»: a crise de emprego, considerada como uma fatalidade comparável a uma epidemia, à peste, ao cólera, a aids. Segundo essa concepção, não haveria injustiça, mas somente um fenômeno sistemático, econômico, sobre o qual não teríamos nenhum alcance.

No entanto, mesmo em se tratando de uma epidemia como a da aids, constatamos que as reações de mobilização coletiva são possíveis, e que não somos obrigados a aceitar o fatum, ou aderir à tese da «causalidade do destino» que seria, sobretudo, aqui, a consequêcia de uma paralisia das capacidades de análise (…) (DÉJOURS, 1998 ; p.20)

Déjours se posiciona contra o fatalismo funcionalista que considera o desemprego como um fenômeno sistemático se apoiando sobre as mobilizações coletivas que têm lugar sobre o neoliberalismo.

Na minha opinião, a atribuição do infortúnio do desemprego e da exclusão à causalidade do destino, à causalidade econômica ou à causalidade sistêmica, não diz respeito a uma inferência psico-cognitiva individual. Ela é dada ao sujeito, do exterior.

Por que o discurso economicista sobre o infortúnio, que atribui o infortúnio à causadade do destino e recusa responsabilidade e injustiça na origem do dito infortúnio, por que esse discurso importa a adesão de nossos con-cidadãos, com seu corolário, a resignação ou ausência de indignação e de mobilização coletiva? (DÉJOURS, 1998 ; p.21)

Déjours pretende responder a essas questões através da psicodinâmica do trabalho.

Em substância, a psicodinâmica do trabalho sugere que a adesão ao discurso economiciste seria uma manifestação do processo de «banalização do mal». A banalização do mal, diferente da banalidade do mal, serve a compreender não o contexto da Alemanha nazista, mas a sociedade francesa contemporânea.

A exclusão e o infortúnio infligidos ao outro nas nossas sociedades, sem mobilização política contra a injustiça, viria, na visão de Déjours, de uma dissociação realizada entre infortúnio e injustiça, sob o efeito da banalização do mal no exercício dos atos civis ordinários por aqueles que não são (ou não ainda) vítimas da exclusão, e que contribuem a excluir a agravar o infortúnio de frações mais e mais importantes da população (DÉJOURS , 1998 ; p.22).

A tese economicista seria o índice não apenas de uma resignação ou de uma impotência, mas «funcionária também como uma defesa contra a consciência dolorosa de sua própria cumplicidade, de sua própria colaboração e de sua própria responsabilidade no desenvolvimento do infortúnio social» (DÉJOURS, 1998 ; p.23).

Déjours sublinha que sua análise sobre a banalização do mal vem de um contexto de mudanças políticas, de uma diminuição das lutas políticas e mobilizações coletivas. Déjours não vê solução a curto termo para o neoliberalismo, mas indica quase uma impossibilidade para a ação que não passe por um debate sobre a banalização do mal (DÉJOURS, 1998 ; p.24).

Quanto ao desemprego, os analistas políticos previem, em 1980, que não se poderia ultrapassar os quatro por cento de desempregados na população sem que surgisse uma crítica política maior. Em 1998, momento em que Déjours escreve, a taxa de desemprego é de treze por cento na França, sem que a população reaja com convulsões políticas e sociais. Isso significa uma tendência maior a tolerar o intolerável.

Nossa hipótese consiste em que, depois de 1980, não foi apenas a alta taxa de desemprego que mudou, mas seria toda a sociedade que teria se transformado qualitativamente, a ponto de não mais ter as mesmas reações que antes. Para ser mais preciso, visamos, sob essa fórmula, essencialmente uma evolução das reações sociais ao sofrimento, ao infortúnio e à injustiça, evolução que se caracteriza pela atenuação de reações de indignação, de cólera e de mobilização coletiva para a ação em favor da solidariedade e da justiça, enquanto se desenvolveria reações de reserva, de hesitação e de perplexidade, talvez de franca indiferença, assim como de intolerância coletiva à inação e de resignação face à injustiça e ao sofrimento do outro. (DÉJOURS, 1998 ; p.26)

Perplexidade, hesitação, indiferença, inação, resignação, são palavras que caracterizam o comportamento face ao mal, que lhe empresta seu caráter banal, e que, ao mesmo tempo, fazem da grande maioria parte integrante do sistema neoliberal.

III A banalidade do mal e a banalização do mal

A «banalidade do mal» é um conceito criado, em 1953, por Hanna Arendt, utilizado pela primeira vez na ocasião do processo de Eichman. Em Eichman em Jerusalem, Hanna Arendt faz a descrição do antigo dignatário fascista. Ele não parece um monstro nem mesmo um perverso. Ao contrário, Eichman é extraordinariamente comum. Nas palavras de Déjours: «não é nem um herói, nem um fanático, nem um doente, nem um grande perverso, nem um paranóico, nem um «personagem», ele é sem originalidade. Ele não dá lugar a nenhum comentário particular. Ele não suscita a curiosidade nem o desejo de compreender ou de interpretar. Ele não é nem sedutor, nem repugnante. Ele é fundamentalmente, terno.» (DÉJOURS, 1998 ; p.155). Ele se porta como um funcionário que obedece ao patrão, o Estado nazista. Mas essa obediência não é cega. Eichman, que não é um psicopata, não é apenas uma simples engrenagem do sistema nazista, no sentio em que, se ele é normalmente um ser obediente, essa obediência não é uma submissão absoluta implicando a abolição de todo livre arbítrio (DÉJOURS, 1998; p.156). «Não é alguém débil, nem um alienado como encontramos por vezes em psicopatologia, ele não é privado de vontade, não é um robô. É sem dúvida a posição intermediária que ocupa Eichmann – entre o líder apaixonado e o escravo alienado – que faz dele um sujeito terrivelmente «banal» (DÉJOURS, 1998; p.156). Eichman devém um reflexo da sociedade.

O que Hanna Arendt quer colocar em questão é que o mal se desenvolve na ausência de pensamento.

Retomo a ideia arendtiana da banalidade do mal para lhe dar outras conotações que aquelas que emergem de seu livro sobre Eichmann. O problema que quero levantar é precisamente aquele do consentimento, da participação, da colaboração de milhões de pessoas, ao sistema (…).

Em razão dessa mesma questão, tenho a tendência de pensar que, antes do problema da banalização do mal, quer dizer do processo graças ao qual um comportamento excepcional, habitualmente entravado pela ação e o comportamento da maioria, pode ser erigido em norma de conduta, talvez em valor. Ora, a banalização do mal supõe, em sua origem mesma, a constituição de condições específicas para poder visar o consentimento e a cooperação de todos a essa condutas e a sua valorização social. (DÉJOURS, 1998 ; p.157)

Déjours critica o caráter subjetivo e localizado do conceito de banalidade do mal em Arendt, fundado sobre a personalidade. Ao contrário, ele reclama a universalidade do comportaemento gerado por causas objetivas, a valorização social e a cooperação.

Produzi na noção arendtiana, incontestavelmente, um deslizamento semântico, meu problema inicial não acentuando a psicologia individual, nem o desejo de compreender a personalidade específica de Eichman. Meu problema é de compreender uma conduta de massa que se ri das singularidades e das personalidades individuais, que as «transcende» de alguma forma, e faz aparecer a personalidade como de pouco peso aos olhos de uma conduta de adesão coletiva. A tese é que o denominador comum a todas essas pessoas é o trabalho, e que, à partir da psico-dinâmica da relação ao trabalho, podemos, talvez, compreender como a «banalização» do mal foi possível (DÉJOURS, 1998 ; p.157).

A «banalidade do mal» significa então «a ausência, a suspensão ou o apagamento da faculdade de pensar que podem acompanhar os atos de barbárie ou, mais geralmente, o exercício do mal » (DÉJOURS, 1998 ; p.195). Por «banalização do mal» devemos compreender «a atenuação da indignação face à injustiça e ao mal, mas, para além, o processo que, de uma parte, desdramatiza o mal (enquanto que ele não deveria jamais ser desdramatizado), e que, de outra parte, mobiliza progressivamente uma quantidade crescente de pessoas, ao serviço da realização do mal, e faz delas «colaboladores» (DÉJOURS, 1998 ; p.196). A conduta de massa da qual fala Déjours, é justamento o comportamento de consentimento com a injustiça social, cujas condições de trabalho sob o neoliberalismo são o melhor exemplo, por sua manifestação global.

O diagnóstico de Déjours, entretanto, pode ser reinterpretado à luz dos acontecimentos recentes na França. Não apenas os Gillets Jaune (que, apesar dos desvios, apenas o confinamento obrigatório estancou), mas também a greve dos estudantes (que pôs em questão a reforma do sistema de ensino, cada vez mais orientado por uma lógica mercadológica), a greve dos metroviários, a greve do pessoal hospitalar, os protestos aliados ao Black lives matters (que além da violência policial mostraram a violência arquitetônica da cidade, com seu elogio em estátuas a conhecidos racistas), mostram que o nível de tolerância social à injustiça começa a baixar. Nesse sentido, podemos pensar um deslocamento do problema: seria a ausência de manifestações o problema ou seu impacto concreto na reorientação das leis e da política nacional? Apesar dessa quantidade ininterrupta de manifestações, o diálogo com os poderes parece infrutífero e de pouco efeito real.

Essa dupla condição do trabalhador, servo voluntário e agente da banalização do banal (enquanto não rompe com a lógica de funcionamento do sistema) deve também levar em conta que a luta atual é, sobretudo, no sentido de evitar a perda de direitos, mais que por sua aquisição. Os trabalhadores lutam hoje, nos parece, ainda que de forma fragmentada e pontual, contra uma nova organização do trabalho que desponta no horizonte e se concretiza com velocidade. Assim, não se perde completamente a figura do trabalhador como agente de transformação social, embora se considere que tal ação seja muito mais emergencial que revolucionária.

IV. A mentira instituída

A aceitação social da injustiça é fundada, segundo Déjours, numa mentira instituída que opera através de várias estratégias. Essa mentira caracteriza o dispositivo que protege a consciência de sua complicidade com o sistema.

Certas desordens produzem um abismo entre a comunicação ideal, e a comunicação na vida comum, mas segundo Déjours, a racionalidade comunicacional, tal qual a formula Habermas, permanece um ideal organizador para a discussão. Entre essas desordens, enconra-se o que ele chama a mentira instituída. «A mentira consiste em produzir práticas discursivas que vão ocupar o espaço deixado vacante pelo silêncio dos trabalhadores sobre o real e o apagamento dos retornos de experiência. A mentira consiste em descrever a produção (fabricação ou serviço) à partir dos resultados e não à partir de atividades de onde eles emergem» (DÉJOURS, 1998 ; p.87). A mentira consiste em uma mudança de perspectiva.

V. Uma estratégia coletiva de defesa: a virilidade

Assim então, para não correr o risco de não mais serem reconhecidos pelos outros homens como homens, para não perder os benefícios de pertencimento à comunidade dos homens viris, para não arriscar se encontrar excluído e desprezado sexualmente (…) - não somente os homens mas também as mulheres – os homens, em número muito grande, aceitam (…) tornar-se assim «colaboradores» do sofrimento e da injustiças infligidos a outrem (DÉJOOURS, 1998 ; p.123)

Não perder sua virilidade – é a motivação principal que Déjours encontra em seus clientes. Ele faz uma distinção entre não perder sua virilidade e combater por ela: «Não perder dua virilidade » é uma estratégia de luta ou de defesa contra o sofrimento, com o risco da perda da identidade sexual. «Nós estamos ainda longe do prazer, da confiança e do orgulho do homem corajoso, daquele que se alegra do triunfo» (DÉJOURS, 1998, p.123)

A questão da virilidade (de não perde-la) é indissociável de uma grande tensão mental, uma vez que o indivíduo se sente obrigado a colaborar com um sistema que ele reprova. Para Déjours, seguindo nesse ponto Hanna Arendt, essa conduta advém de um «medo da responsabilidade» (DÉJOURS, 1998 ; p.124).

A estratégia mental consiste então em passar de uma situação de injustiça a uma racionalização do mal: «Para continuar a viver psiquicamente participando do «trabalho sujo» na empresa moderna e conservando seu senso moral, muitos homens e mulheres que adotam comportamentos viris elaboram coletivamente as «ideologias defensivas» graças às quais é construída a racionalização do mal» (DÉJOURS, 1998 ; p.124). Esse processo é uma estratégia de defesa coletiva.

VI. Des-banalzação do mal

Déjours coloca em evidência quatro maneiras para lutar contra a banalização do mal. A estratégia de Déjours é de tentar desconstruir a mentira instituída e hegmônica da virilidade: «A primeira [direção] consiste em proceder sistematicamente e rigorasamente à desconstrução da distorção comunicacional nas empresas e organizações» (DÉJOURS ; 1998, p.193). Vimos que a distorção comunicacional é um dispositivo da mentira.

A maior parte dos que alimentam os media da mentira tem uma clara percepção dessa mentira (…). Parece-me que é nesse nível que a discussão deveria chegar, em prioridade, a discussão dos espaços disponíveis, tanto em empresas como em sindicatos ou no espaço público. Afrontando a distorção comunicacional, podemos razoavelmente esperar um acordar da comundiade científica para o trabalho, que tende a tornar-se um instrumento maior de aprendizagem contra a injustiça nas sociedades neoliberais (DÉJOURS, 1998 ; p.192)

A segunda maneira consiste em «trabalhar diretamente sobre a desconstrução da virilidade como mentira» (DÉJOURS, 1998 ; p.194).

Sustentamos a ideia de que a virilidade ocupa um lugar ao menos tão importante que a mentira, na medida em que, sem ela, não há possibilidade de fazer passar o mal pelo bem. Mas a virilidade é em si uma mentira, o que não de deve omitir na análise. Todo o resto do dispositivo de distorsão comunicacional joga como potencializador da mentira da virilidade e não pode substotuí-la (DÉJOURS, 1998 ; p.193).

A desconstrução da virilidade tem como contraponto uma virada feminista:

Conviria enfim retomar a questão ética e filosófica do que seria a coragem desembaraçada da virilidade, partindo da análise das formas específicas de construção da coragem entre as mulheres, que poderia bem ser caracterizada pela invenção de condutas associando reconhecimento da percepção do sofrimento, prudência, determinação, obstinação e pudor, quer dizer, condutas bem diferentes daquelas da virilidade, no que elas não tentam opor negação ao sofrimento nem ao medo, nem propõem recurso à violência, nem procedem à racionalização e não se inscrevem na busca pela glória (DÉJOURS,1998 ; p.194)

A desconstrução (conceito de Derrida) e a viragem feminista são assim formas de desbanalizar o mal. A desconstrução tem como um dos seus principais objetivos a luta contra o falocentrismo considerando sua centralidade na constituição da razão ocidental moderna. Mas a desconstrução não tem um caráter unicamente negativo, a desconstrução do falocentrismo é indissociável da pesquisa por novas fontes de valores. O feminismo aparece como uma dessas fontes da formulação ética que não passa pela sobrevalorização da virilidade.

Finalmente, apesar de servo voluntário pelo trabalho, vítima e agente da banalização do mal, o indivíduo reencontra todo um campo de ação visando sua desalienação, unindo-se a forças de resistência e de mobilização através de novos valores, tornando-se mais que um receptáculo passivo dos discursos midiáticos e políticos alinhados à lógica neoliberal. Esse percurso tem também por objetivo a saúde e o bom funcionamento psíquico dos membros que compõem a sociedade, aproximando-se de um estudo de psicologia social. Tornar-se consciente das disjunções éticas produtoras de sofrimento é um mecanismo associado à evolução e ao aprendizado de si sobre si, conjugando a análise do sistema social como um todo e os modos de pertença do indivíduo a esse sistema social.

BIBLIOGRAFIA

DÉJOURS, C. Souffrance en France: la banalisation de l’injustice sociale. Paris: Seuil, 1998.




 
 
 

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